domingo, 13 de janeiro de 2013

Entardecer

Eu não  gosto do entardecer. É um momento indeciso e fácil de trazer tristeza. Sinto como se  o dia tivesse preguiça de terminar e a noite preguiça de começar, e eu, com medo de morrer. No entardecer as nuvens iniciam o embaçamento de tudo que nos rodeia. Não identificamos dia ou noite. É uma hora onde muitos partem e muitos chegam e alguns ficam no meio do caminho. Saíram e ainda não chegaram. Dói muito esse lento instante. Uma névoa desce sobre meus olhos. É como se estivesse atrás de uma cortina sem trilho. Penso que as partidas das minhas raízes devem ter acontecido ao entardecer. Em mim metade do coração bate, enquanto a outra metade  fica em silêncio, inerte.

Quando criança, morava em um enorme prédio, com muitas pessoas  e mesmo assim, depois de um dia tumultuado, eu me calava  repentinamente, ficava em silêncio, com a agonia do lusco-fusco do entardecer. Mesmo quando chovesse durante o entardecer, sentia-me uma fugitiva da vida e preparada para uma grande partida, sem saber para onde e nem como. Ah! A ansiedade do entardecer carrego desde então, aonde quer que eu esteja uma angústia invade meu peito como se fosse hoje o dia dessa partida, que prepara as malas desde a minha infância.
Admiro as pessoas que convivem bem com o entardecer, que transitam bem pelo horário dos  meus temores, dos meus sustos e dos meus assombros  e que permeia o meu imaginário há tantos anos.
Sobrevivi todos esses anos procurando forças para vencer o meu  apavorante monstro e tentando trançar o histórico da minha infância, ligando fios aqui, outros fios ali ,me debruçando sobre o peitoril da janela do meu caminho chamado jornada ou crescimento. Continua o enigma: porque tenho tanto pavor de atravessar o entardecer, de pensar que tenho que vencê-lo toda vez que o dia teima em terminar.
Cotidianamente tento ser generosa comigo e desvio os caminhos dos meus pensamentos , fazendo de conta que o monstro do entardecer não vai  aparecer, chegando a pensar que é uma loucura longa da minha parte.
Quando anoitece de vez, meu olhar de pavor sossega e torna-se doce, vejo que consigo encarar o mundo com a normalidade de todo ser humano que ama viver. Os gritos presos em minha garganta tornam se uma lenta e linda canção e não mais me aflige o embaçamento do entardecer, até  as próximas vinte e quatro horas.(elpis)

 

                                    

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