Entardecer
Eu não gosto do entardecer. É um momento indeciso e fácil de trazer
tristeza. Sinto como se o dia tivesse preguiça de terminar e a noite
preguiça de começar, e eu, com medo de morrer. No entardecer as nuvens
iniciam o embaçamento de tudo que nos rodeia. Não identificamos dia ou
noite. É uma hora onde muitos partem e muitos chegam e alguns ficam no
meio do caminho. Saíram e ainda não chegaram. Dói muito esse lento
instante. Uma névoa desce sobre meus olhos. É como se estivesse atrás de
uma cortina sem trilho. Penso que as partidas das minhas raízes devem
ter acontecido ao entardecer. Em mim metade do coração bate, enquanto a
outra metade fica em silêncio, inerte.
Quando
criança, morava em um enorme prédio, com muitas pessoas e mesmo assim,
depois de um dia tumultuado, eu me calava repentinamente, ficava em
silêncio, com a agonia do lusco-fusco do entardecer. Mesmo quando
chovesse durante o entardecer, sentia-me uma fugitiva da vida e
preparada para uma grande partida, sem saber para onde e nem como. Ah! A
ansiedade do entardecer carrego desde então, aonde quer que eu esteja
uma angústia invade meu peito como se fosse hoje o dia dessa partida,
que prepara as malas desde a minha infância.
Admiro as pessoas que convivem bem com o entardecer, que transitam bem
pelo horário dos meus temores, dos meus sustos e dos meus assombros e
que permeia o meu imaginário há tantos anos.
Sobrevivi todos esses anos procurando forças para vencer o meu
apavorante monstro e tentando trançar o histórico da minha infância,
ligando fios aqui, outros fios ali ,me debruçando sobre o peitoril da
janela do meu caminho chamado jornada ou crescimento. Continua o enigma:
porque tenho tanto pavor de atravessar o entardecer, de pensar que
tenho que vencê-lo toda vez que o dia teima em terminar.
Cotidianamente tento ser generosa comigo e desvio os caminhos dos meus
pensamentos , fazendo de conta que o monstro do entardecer não vai
aparecer, chegando a pensar que é uma loucura longa da minha parte.
Quando anoitece de vez, meu olhar de pavor sossega e torna-se doce, vejo
que consigo encarar o mundo com a normalidade de todo ser humano que
ama viver. Os gritos presos em minha garganta tornam se uma lenta e
linda canção e não mais me aflige o embaçamento do entardecer, até as
próximas vinte e quatro horas.(elpis)

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