Cobranças.
Ela estava sentada com as pernas longas debruçadas sobre as almofadas,
olhou-me repentinamente, com um olhar de desespero como que sugerindo
que eu a socorresse. Fiquei surpresa quando falou-me:
– O que faço com a raiva?
– Raiva? Raiva de quem ou do quê?
– Raiva nem sei bem do quê, nem se é de alguém. Uma raiva de algo, ou
de alguma coisa que oprime o meu peito, acelera o meu coração e dá frios
no estômago. Disse e olhou para os vidros da janela que estavam
fechados como se quisesse saltar através deles e fosse direto para a
rua.
Aquilo serviu como uma isca para apanhar um grande e belo peixe a ser
degustado lentamente por horas. Este é um sintoma claro da ansiedade dos
adultos e esta menina já estava tornando-se adulta pensei, porém, não
verbalizei.
Esta jovem estava prestes a tomar um novo rumo na sua vida,
deparando-se com uma variedade de opções que seriam decisivas num futuro
próximo e, como se não bastasse, havia ao seu redor os "geradores de
ansiedade do futuro", com uma série de cobranças e alertas para que
tomasse cuidado nas escolhas. Ela sentia que essas cobranças eram quase
que uma ameaça para que não houvesse desapontamento e então suprirem
seus egos com a fantasia da ostentação.
O preço que ela estava pagando por tornar-se adulta tem valor muito alto, primeiramente, será obrigada a
aprender a filtrar tudo e todos que estiverem próximos, cerceando-a ofensivamente, prontos a obterem uma resposta de tomada de decisão que os satisfaça, mais por vaidade do que por cuidados. Deverá estar sempre vigilante para que suas emoções não fossem demasiadamente manifestadas e
tudo deverá ser severamente milimetrado para não cair na tentação de errar em excesso, desapontando -se e aos que colocaram expectativas em seus ombros. Se errar será cobrada e por vezes rejeitada como fruta apodrecida retirada do cesto. Os desafios que encontrará
nessa viagem, deverão ser controlados ostensivamente e só a ela
pertencerá o crescimento pessoal. Determinar o momento decisivo será
sabedoria e um ato constante de indagação deixando espaços para
tentativas de auto controle permanente.
Pensei em dizer-lhe que a melhor maneira de pensar e realizar o projeto
de seu futuro caminho é não ouvir e não sentir. Criar uma capa
protetora para não ser catalisadora das energias negativas e distorcidas
carregadas de preconceitos. Ser introspectiva é essencial e o
suficiente para não ser captada pelas lentes dos "olheiros" de plantão
que a espionavam. A partir do processo de observação interna deverá
receber a si própria com amor e ter a postura necessária para encarar os
resultados oriundos, incluindo as decisões e os sentimentos, mesmo que
difíceis e recebendo todas essas informações com reverência e dignidade.
Não senti-me à vontade de falar-lhe dos meus pensamentos, afinal, os
que dela esperavam a sua determinante decisão a amavam e por amá-la em
demasia exageravam no amparo e na expectativa. Ela olhava-me, com
ansiedade, aguardando uma resposta, apenas disse:
– Você não pensou que a raiva, que você diz ter, seja o resultado da
soma de todos os atos e reações externas que enviam a você? Sugiro que
faça o que aprendi e realizava todas as vezes que sentia sintomas iguais
aos seus: escreva uma carta sua para a sua raiva, fale tudo o que sente
em relação a ela, desligue-se por algumas horas, após, leia
atentamente, depois de lê-la escreva a resposta da sua raiva para si.
Você encontrará o que fazer com ela, ou no mínimo, descobrirá como
desalojá-la, definitivamente, enquanto você atravessa esse processo.(elpis)
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