Dança comigo ?
No
quinto dia, do quinto mês, do quinto ano do novo milênio, um menino e
uma menina, deveriam encontrar-se, acontecesse o que acontecesse, onde
estivessem ou como estivessem, casados ou não, o encontro deveria
ocorrer. Era o ano de 1963, passariam-se quarenta e dois anos e seria no
mesmo lugar, uma escola de dança e etiqueta que ambos frequentavam à
época. Ele vai ao encontro, teria que virar à direita, vira à esquerda ,
sofre um acidente e morre a caminho do hospital. Quem viu o filme
"Dança comigo?" lembra-se desta cena inicial.
Este é um bom tema para discorrer sobre a vida e o sentido da
vida, entretanto, não pretendo filosofar sobre este assunto, o filme
despertou em mim o desejo de divagar sobre a grande sensibilidade que
certos homens possuem e que deixa-me extasiada. Não vejo muita
utilidade no passado, raramente penso a respeito dele e confesso que
poupo -me de pensá-lo ou relembrá-lo, entretanto, certos padrões culturais
quando lembrados nos levam à nostalgia. Acredito que entrar num estado
de melancolia vaga, por vezes, desperta-nos emocionalmente, este é o
enfoque em questão. Minha geração é oriunda de uma sociedade
machista, os homens pareciam seres MUITO diferentes das mulheres e isso
os obrigava a terem atitudes realmente estóicas. Os da minha infância
estavam sempre afastados, em um outro patamar, em gestos, atitudes e
emoções. A imagem que eu tinha desses homens era a de que as mulheres
sofriam, homens não, e por não sofrerem, não tinham sentimentos. Achava
que a sensibilidade pertencia apenas às mulheres e só a elas cabia o
direito de chorar e manifestar as suas emoções. Os homens me pareciam
extremamente inatingíveis, porque as mulheres dependiam deles para tudo,
inclusive tomar decisões. Eles discorriam sobre qualquer assunto e
manifestavam as suas opiniões com firmeza, eu achava impressionante como
possuiam tanta sabedoria. Manifestações de carinho pertenciam apenas às
mulheres para com os seus filhos, mas, as determinações sobre tudo, só
aos homens cabiam e deveriam ser acatadas. Suas vozes fortes e altas
pareciam abafar as vozes das mulheres. Em certas ocasiões, as mulheres
sussurravam ao pé do ouvido para que o "chefe da casa" não escutasse,
sinal de que estava ocorrendo algo escondido dele e, se era escondido,
era porque ele tinha proibido. Se eles estivessem reunidos conversando,
mulheres e crianças não podiam estar. Muitas vezes ouvia um lamento -ah!
porque eu não nasci homem-, assim era expresso o desejo de fazer alguma
coisa que só aos homens era permitido, por exemplo, ter opinião própria
sobre um assunto qualquer. Fui crescendo e mais distante ficava dos
homens, já não era criança e as proibições eram muitas e maiores.
Lembro que a única vez que vi meu "pai do coração" fragilizado
foi quando recebeu a notícia da morte do meu pai verdadeiro, seu irmão
preferido e mais amigo, suicidara-se. Era noite, para mim parecia muito
tarde porque crianças iam cedo para a cama, com ou sem sono. Nesse dia
fui para a cama sem sono e repentinamente todas as pessoas adultas que
ainda estavam acordadas falavam muito alto, foi então que ouvi meu pai
do coração chorando no banheiro, escondeu-se como se estivesse cometendo
o maior dos pecados. Somente nesse momento percebi o quanto o amava e o
quanto ele estava próximo a mim, embora tão distante tivesse estado até
então. Apesar de ter ido esconder-se para chorar, demonstrava os seus
sentimentos e foi como se eu tivesse aberto um livro e desvendado sua
história. Eu chorava pelos dois, perdia um, mas, sentia-me aconchegada
ao outro, que no exato momento de perda mostrava-se terno o bastante
para provar-me, mesmo escondido, que tinha sensibilidade igual às
mulheres. A minha geração deixou em mim uma paixão imensa por homens
extremamente sensíveis e que não camuflam seus sentimentos demonstrando
explicitamente as suas emoções.
Devo confessar que bem lá no fundo do meu coração eu pressentia que a
vida daria uma guinada, para melhor, e quando adulta me equipararia com
os homens. Tomaria decisões como os homens da minha infância tomavam,
trabalharia como eles trabalhavam, opinaria e discorreria sobre qualquer
assunto como eles, supriria as minhas necessidades sem precisar
depender dos seus tostões, enfim, seria independente como eles eram e continuaria uma mulher,entretanto forte.
Para
quem não viu o filme, lamento contar que ela não compareceu ao
encontro. As razões não ficaram esclarecidas, porém, ela sempre guardou a
foto dele e o convite em uma caixa.(elpis)
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