quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Dança comigo ?

No quinto dia, do quinto mês, do quinto ano do novo milênio, um menino e uma menina, deveriam encontrar-se, acontecesse o que acontecesse, onde estivessem ou como estivessem, casados ou não, o encontro deveria ocorrer. Era o ano de 1963, passariam-se quarenta e dois anos e seria no mesmo lugar, uma escola de dança e etiqueta que ambos frequentavam à época. Ele vai ao encontro, teria que virar à direita, vira à esquerda , sofre um acidente e morre a caminho do hospital. Quem viu o filme "Dança comigo?" lembra-se desta cena inicial.

           Este é um bom tema para discorrer sobre a vida e o sentido da vida, entretanto, não pretendo filosofar sobre este assunto, o filme despertou em mim o desejo de divagar sobre a grande sensibilidade que certos homens possuem e que deixa-me extasiada. Não vejo muita utilidade no passado, raramente penso a respeito dele e confesso que poupo -me de pensá-lo ou relembrá-lo, entretanto, certos padrões culturais quando lembrados nos levam à nostalgia. Acredito que entrar num estado de melancolia vaga, por vezes, desperta-nos emocionalmente, este é o enfoque em questão.  Minha geração  é oriunda de uma sociedade machista, os homens pareciam seres MUITO diferentes das mulheres e isso os obrigava a terem atitudes realmente estóicas. Os da minha infância estavam sempre afastados, em um outro patamar, em gestos, atitudes e emoções. A imagem que eu tinha desses homens era a de que as mulheres sofriam, homens não, e por não sofrerem, não tinham sentimentos. Achava que a sensibilidade pertencia apenas às mulheres e só a elas cabia o direito de chorar e manifestar as suas emoções. Os homens me pareciam extremamente inatingíveis, porque as mulheres dependiam deles para tudo, inclusive tomar decisões. Eles discorriam sobre qualquer assunto e manifestavam as suas opiniões com firmeza, eu achava impressionante como possuiam tanta sabedoria. Manifestações de carinho pertenciam apenas às mulheres para com os seus filhos, mas, as determinações sobre tudo, só aos homens cabiam e deveriam ser acatadas. Suas vozes fortes e altas pareciam abafar as vozes das mulheres. Em certas ocasiões, as mulheres sussurravam ao pé do ouvido para que o "chefe da casa" não escutasse, sinal de que estava ocorrendo algo escondido dele e, se era escondido, era porque ele tinha proibido. Se eles estivessem reunidos conversando, mulheres e crianças não podiam estar. Muitas vezes ouvia um lamento -ah! porque eu não nasci homem-, assim era expresso o desejo de fazer alguma coisa que só aos homens era permitido, por exemplo, ter opinião própria sobre um assunto qualquer. Fui crescendo e mais distante ficava dos homens, já não era criança e as proibições eram muitas e maiores.

           Lembro que a única vez que vi meu "pai do coração" fragilizado foi quando recebeu a notícia da morte do meu pai verdadeiro, seu irmão preferido e mais amigo, suicidara-se. Era noite, para mim parecia muito tarde porque crianças iam cedo para a cama, com ou sem sono. Nesse dia fui para a cama sem sono e repentinamente todas as pessoas adultas que ainda estavam acordadas falavam muito alto, foi então que ouvi  meu pai do coração chorando no banheiro, escondeu-se como se estivesse cometendo o maior dos pecados. Somente nesse momento percebi o quanto o amava e o quanto ele estava próximo a mim, embora tão distante tivesse estado até então. Apesar de ter ido esconder-se para chorar, demonstrava os  seus sentimentos e foi como se eu tivesse aberto um livro e desvendado sua história. Eu chorava pelos dois, perdia um, mas, sentia-me aconchegada ao outro, que no exato momento de perda mostrava-se terno o bastante para provar-me, mesmo escondido, que tinha sensibilidade igual às mulheres. A minha geração deixou em mim uma paixão imensa por homens extremamente sensíveis e que não camuflam seus sentimentos  demonstrando explicitamente as suas emoções.

           Devo confessar que bem lá no fundo do meu coração eu pressentia que a vida daria uma guinada, para melhor, e quando adulta me equipararia com os homens. Tomaria decisões como os homens da minha infância tomavam, trabalharia como eles trabalhavam, opinaria e discorreria sobre qualquer assunto como eles, supriria as minhas necessidades sem precisar depender dos seus tostões, enfim, seria independente como eles eram e continuaria uma mulher,entretanto forte.

           Para quem não viu o filme, lamento contar que ela não compareceu ao encontro. As razões não ficaram esclarecidas, porém, ela sempre guardou a foto dele e o convite em uma caixa.(elpis)

 

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