Eu sabia que seria
apenas depois de te teres ido embora que iria perceber a completa
extensão da minha felicidade e, alas! o grau da minha perda também.
Ainda não a consegui ultrapassar, e se não tivesse à minha frente aquela
caixinha pequena com a tua doce fotografia, pensaria que tudo não teria
passado de um sonho do qual não quereria acordar. Contudo os meus
amigos dizem que é verdade, e eu próprio consigo-me lembrar de detalhes
ainda mais charmosos, ainda mais misteriosamente encantadores do que
qualquer fantasia sonhadora poderia criar. Tem que ser verdade. Martha é
minha, a rapariga doce da qual todos falam com admiração, que apesar de
toda a minha resistência cativou o meu coração logo no primeiro
encontro, a rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com
elevada confiança, que fortaleceu a minha confiança em mim próprio e me
deu esperanças e energia para trabalhar, na altura que eu mais
precisava.
Quando tu voltares, querida rapariga, já terei vencido a timidez e
estranheza que até agora me inibiu perante a tua presença. Iremos
sentar-nos de novo sozinhos naquele pequeno quarto agradável, vais-te
sentar naquela poltrona castanha , eu estarei a teus pés no banquinho
redondo, e falaremos do tempo em que não existirá diferença entre noite e
dia, onde não existirão intrusos nem despedidas, nem preocupações que
nos separem.
A tua amorosa fotografia. No início, quando eu tinha o original à minha
frente não pensei nada sobre a mesma; mas agora, quanto mais olho para
ela mais esta se assemelha ao objecto amado; espero que o rosto pálido
se transforme na cor das nossas rosas, e que os braços delicados se
desprendam da superfície e prendam a minha mão; mas a imagem preciosa
não se move, parece apenas dizer: «Paciência! Paciência” Eu sou apenas
um símbolo, uma sombra no papel; a tua amada irá voltar, e depois podes
negligenciar-me de novo».
Eu gostaria imenso de colocar esta fotografia entre os deuses da minha
casa que pairam acima da minha secretária, mas embora eu possa mostrar
os rostos severos dos homens que reverencio, quero esconder a face
delicada da minha amada só para mim. Vai continuar na tua pequena
caixinha e eu não me atrevo a confessar a quantidade de vezes, nestas
últimas vinte e quatro horas, que tranquei a minha porta para poder
tirar a fotografia da caixa e refrescar a minha memória. -(Carta de Sigmund Freud a Martha Bernays, 19 de Junho 1882 (excerto)
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